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Dissemina UFF

Quem sou eu nessa história?

A representatividade é peça estrutural na construção da identidade do indivíduo. É através dela que são formados os laços, ocorrem descobertas de espaços e papéis dentro da sociedade, e é importante que ela se faça presente em todos os ambientes durante essa formação. Embora tenha de ser tornado um termo comum, a questão acerca da representatividade negra ainda é um grande obstáculo na sociedade contemporânea. Essa lacuna pode ser sentida em vários níveis ao longo da vida. A ausência de professores negros no ambiente escolar, os lápis de cor “tons de pele”, poucas opções nas lojas de brinquedos e a representação negativa ou nula em produções audiovisuais como filmes e desenhos são alguns dos exemplos.


Em toda minha trajetória durante o ensino médio e fundamental tive contato com apenas três professores negros. Tentei buscar nas lembranças os desenhos que assistia quando era criança e não encontrei nenhuma referência próxima. Nas brincadeiras, as amigas brancas escolhiam as personagens com as quais mais se identificavam e nós, negras, ficávamos com as que sobravam e tentávamos, de alguma maneira, buscar uma identificação com a personagem. Minha princesa preferida sempre foi a Jasmine, do desenho Aladdin e a lâmpada mágica, talvez por ser, na época, a que mais pudesse se aproximar do meu tom de pele e minha cor preferida era a azul claro, justamente a cor de seu figurino.



A Disney fez parte de muitas gerações e influenciou muitas meninas pelo mundo. O seu primeiro conto lançado nos anos 30, a Branca de Neve e os Sete Anões, estabeleceu um padrão que seria seguido nas produções seguintes. O estereótipo da princesa jovem, branca, doce, dona de casa e à espera de um príncipe para salva-la. Somente próximo aos anos 2000, esse padrão começou a ser modificado com o nascimento das personagens Pocahontas e Mulan. Diferente das princesas anteriores, Pocahontas possuía etnia indígena e Mulan era asiática, além de ser uma guerreira e lutar no exército chinês durante o longa. Porém a ideia de que um final feliz só viria através de um príncipe ainda se manteve por alguns anos. Em 2009, foi lançada a primeira princesa negra da produtora, Tiana, do filme “A Princesa e o Sapo”, que apesar de alguns pontos negativos foi vista como um avanço. As princesas que vieram na sequência seguiram o ritmo da desconstrução do “padrão Disney”, Mérida, da animação Valente, é ruiva, rebelde, usa arco e flecha e dispensa a ideia de se casar. O filme Frozen tem como tema central a relação entre duas irmãs. E o final de feliz de Elsa, a rainha do gelo, é salvar a vida de sua irmã, Anna. Moana, Um Mar de Aventuras estreou em 2016, com a primeira princesa polinésia do estúdio. Com longos cabelos cacheados, Moana é uma menina corajosa, apaixonada pelo mar e navega por ele durante sua jornada.


Recentemente foi anunciado pela Disney a produção do live-action do filme “A Pequena Sereia”, na produção a personagem Ariel, que na versão em desenho é branca, será interpretado pela atriz negra Halle Bailley. A notícia foi recebida com festa na casa da Valquíria Fernandes, moradora da Região dos Lagos, RJ e apaixonada por sereias. Em 2018, Valquíria sugeriu que a filha Lavinya Ribeiro, de 7 anos, comemorasse seu aniversário tendo como tema a princesa Ariel, mas, a menina recusou por “não ter cabelos vermelhos”. Valquiria teve a ideia de fazer um ensaio fotográfico para, segundo ela, mostrar à filha que ela poderia ser o que quisesse, “Tive a oportunidade de fazer esse ensaio e mostrar pra ela, que ela pode ser o que ela quiser, o personagem que existir, independente da sua cor, raça ou etnia. Sem medo da imposição da mídia, da princesa branca, os pais devem ensinar aos seus filhos que eles devem se amar e ser o que quiserem.”




Com as fotos que fez durante o ensaio, a menina, que sonha em se tornar dentista da marinha, participou de um concurso online e levou o primeiro lugar em julho desse ano. Sobre o sonho da menina, a mãe, acrescenta que, “ela fala que quer ser modelo fotográfica e dentista da marinha. E vai ser, porque eu estou aqui para ajudá-la na realização dos sonhos dela. Mostrando sempre do que ela é capaz e ensinando que ela deve respeitar a si própria, assim como as outras pessoas.”


Para a psicóloga Karina Theodoro, é fundamental que as crianças possam ter referências positivas em seu ambiente social durante o processo de construção de identidade. Mãe de duas meninas, Pollyana, de 6 anos e Elis, de 3, Karina considera os brinquedos instrumentos facilitadores para essa construção: “Aceitação de si, a construção de sua autoestima é reforçada por aquela representatividade que é vista pela sociedade como algo positivo, bonito. A partir do momento que ela identifica em

uma boneca os mesmos traços, tons de pele e cabelo a aceitação começa a ser construída.” Outro instrumento usado por ela é a leitura de livros com personagens negros que depois são compartilhados pela Elis, com a professora e seus colegas na escola.


Apesar dos avanços na área em relação aos últimos anos, ainda temos um longo caminho a percorrer. Tudo que foi conquistado até agora é muito pouco diante da grande parcela da população que precisa se ver representada. É importante ressaltar que a inclusão de personagens negros em representações positivas no audiovisual e a abertura do mercado para brinquedos representativos, muitas vezes produzidos por empreendedores individuais, assim como o levantamento dessas questões pela mídia é imprescindível para começarmos, de fato, a dar voz aqueles que precisam.


Por Marcella Chagas

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