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Dissemina UFF

Oficina da UFF abordou as perspectivas de raça na comunicação visual

Por Yago Ferreira



No dia 26 de fevereiro, foi promovida pelos Projetos Dissemina e Vozes dissonantes na Comunicação e na Cultura, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a oficina “Olhares Múltiplos para a Produção e o Consumo da Comunicação Visual”, com a participação do ilustrador e designer carioca Anderson Awvas. Trabalhando com ilustração desde 2012, Awvas procura estabelecer em seus trabalhos a sensação de pertencimento, ausente por muito tempo na vida de jovens negros, nos personagens criados por ele. O ilustrador aborda questões de representatividade em publicações independentes como “A Vida de Awvas” — baseado em temáticas como cultura pop e o próprio cotidiano de seu criador — e “Cinco Estágios''. Outra característica marcante em suas obras é a ressignificação de personagens como Mulher-Maravilha e She-Ra, que através dos traços de Awvas, são reinventadas por uma ótica afrocentrada e, consequentemente, fora da zona de conforto do mercado, que ainda reluta em perceber pessoas não brancas como um público potencial para o consumo.




Um dos principais assuntos que também foram expostos durante a oficina é a criação voltada para a representação da cultura brasileira a partir dos produtos midiáticos. Enxergando tal questão como uma demanda, Anderson criou o projeto Folclore BR, elaborado enquanto um movimento de resistência cultural que adapta as lendas brasileiras em diversos conteúdos. Em 2018, o artista repercutiu na internet ao lançar uma série de pôsteres baseados nas animações clássicas da Disney, mas protagonizados por entidades próprias do país, como o Saci e a Iara.


Para Awvas, muito se vivencia sobre o tema, mas há pouco debate e uma série de generalizações que atrapalham na criação de uma percepção honesta sobre o folclore, seja na escola, no cotidiano, ou nas redes sociais. “Existe uma série de equívocos que acabam unindo as culturas indígenas e o folclore brasileiro, como se um não existisse sem o outro, ou generalizando tudo como algo de menor impacto na cultura brasileira. Ao fazer isso, há um destratamento e desentendimento tanto do folclore como termo, quanto às culturas indígenas brasileiras como um modo de vivência legítimo”, afirma.


Tão importante quanto valorizar a cultura nacional na mídia sem exotizá-la, a presença dos grupos sociais que a mantêm viva é uma necessidade, seja na frente ou atrás das câmeras. Cidade Invisível, série brasileira produzida pela Netflix e lançada na plataforma de streaming em fevereiro, por exemplo, teve como proposta a adesão de lendas populares como a Cuca em uma narrativa de suspense policial. Mesmo sendo bem recebida, ficou evidente a ausência de pessoas indígenas no elenco e na produção, o que não difere dos outros filmes e séries que retratam algum aspecto da realidade indígena e alcançam o circuito mainstream.


n “Somente com a inserção de pessoas não brancas para falar de suas perspectivas, a indústria poderá entender outros movimentos de mudança. Colocar essas pessoas não brancas e periféricas, capacitadas em cargos de liderança em grandes projetos, é uma parte importante para que novas formas de narrativas sejam inseridas nos modelos existentes para que se comece a mostrar que existem possibilidades de maiores transformações”, ressalta Anderson.



Segundo o primeiro (e até então, o último) mapeamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine) sobre a diversidade de gênero e raça no elenco e em cargos de destaque na produção audiovisual brasileira, a direção de 75% dos filmes e 59% dos roteiros das obras lançadas em 2016 — nas categorias ficção, documentário e animação — é encabeçada por homens brancos. Apenas 3 homens negros (2% dos filmes) dirigiram os filmes analisados, porcentagem que também se repete nos roteiros. Mas são as mulheres negras, no entanto, as menos representadas: nenhum dos filmes computados pela Ancine foi dirigido ou roteirizado por uma.


Identidade negra na indústria do entretenimento


Demorou cinquenta e dois anos para que o primeiro super-herói de ascendência africana — criado por uma editora mainstream de quadrinhos norte-americanos, diga-se de passagem — ganhasse seu primeiro filme solo. Pantera Negra, produzido pela Marvel Studios e distribuído pela Walt Disney Studios Motion Pictures em 2018, levou para as telas de cinema a jornada de T´Challa, identidade secreta do herói do longa-metragem. Wakanda, país fictício no qual o protagonista governa enquanto rei, surpreendeu a audiência (e até mesmo os fãs mais fiéis, a partir dos efeitos especiais) ao se estabelecer como uma nação africana que dialoga tanto com a cosmologia herdada por seus ancestrais, como com a tecnologia super avançada que só o Universo Marvel pode proporcionar. Provando que a narrativa de base africana tem muito a contribuir e a ocupar, Pantera Negra traz à tona o debate sobre a representatividade de pessoas negras nos meios de comunicação, assim como uma crítica sobre como essa parcela significativa da população mundial ainda é retratada na cultura.





A trajetória dos personagens racializados na indústria cultural é bastante marcada pelo reforço aos estereótipos preconceituosos que ainda são naturalizados pela sociedade. Ebony White, por exemplo, que apareceu pela primeira vez na história em quadrinhos chamada The Spirit na década de 1940, é um homem negro com características físicas bastante acentuadas, e serve de alívio cômico durante as aventuras do protagonista Denny Colt.


É imprescindível pontuar que a indústria do entretenimento, de quadrinhos, filmes, e até mesmo videogames, é um agente importante na perpetuação de mecanismos simbólicos de violência contra grupos sociais marginalizados. Após o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a partir da década de 1950, observa-se o surgimento de personagens negras como Ororo Monroe (a Tempestade dos X-Men), Monica Rambeau (a primeira Capitã Marvel), também da Marvel Comics; e a Vixen, na DC. Ainda assim, a caracterização destas ainda é guiada a partir da hiperssexualização e do estereótipo da agressividade.


Pedro Henrique Conceição dos Santos, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da UFF, reforça a presença de um lugar-comum atribuído aos corpos negros em personagens no setor do audiovisual, principalmente ao considerá-los apenas para o humor e ação policial. “Já parou pra pensar que Denzel Washington só ganhou Oscar como ator principal quando fez um policial corrupto, em Dia de Treinamento? O mesmo acontece quando se reflete sobre os estereótipos utilizados para representar, por exemplo, as mulheres negras brasileiras. Maria Vanúbia, personagem da Roberta Rodrigues na novela Salve Jorge, é retratada como a garota da laje – o que remete à construção de ‘mulata’, tão mencionada por Lélia Gonzalez em seu trabalho”, destaca o pesquisador.


O devagar aumento do protagonismo de personagens não-brancos que possuem suas próprias narrativas e se afastam de uma história condicionada apenas em sua vivência com o racismo contrasta com o contexto da vida real: em 2020, durante a pandemia do coronavírus, uma onda de protestos ocorreu após a morte de George Floyd por policiais em Minneapolis, nos Estados Unidos. O movimento Black Lives Matter ocupou as ruas os meios digitais na busca da conscientizar sobre o efeito nefasto da supremacia branca sobre corpos negros. Já no Brasil, onde é tão difundido o mito da democracia racial, os casos de homicídio de pessoas negras aumentaram 11,5% entre 2008 e 2018, enquanto o número de casos desse tipo de violência em relação a não negros diminuiu 12,9%, no mesmo período de acordo com os dados do Atlas da Violência 2020, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).


É válido destacar, porém, iniciativas que têm redirecionado o protagonismo negro para além do racismo e conceitos pré-estabelecidos sobre o popular. O projeto “Eu sou Caipora: A menina e o poder das matas”, idealizado por Anderson Awvas junto ao estúdio de animação Vivárte, tem como objetivo encantar jovens e adultos com um curta-metragem em animação 3D inspirado na cultura nacional. Nela, será contada a história de Luana, uma menina negra que ama os animais e sonha em ser bióloga.





Devido à falta de investimento e divulgação eficazes, muitos projetos que abraçam a representatividade racial não conseguem sair do papel. Por isso, o consumidor deve insistir na busca de tais conteúdos, que muitas vezes são produzidos de forma independente e em menor escala; procurar e conhecer os trabalhos de produtores não brancos, além de contribuir no financiamento coletivo dessas obras, é mais que viável. Para Anderson, “o movimento de estourar a bolha do consumo intermitente é urgente no mercado, e tem que vir também de nós mesmos.”





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