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Dissemina UFF

Apropriação Cultural X Apreciação Cultural na mídia contemporânea

A segunda mesa do evento Mídia, Raça e Apropriação Cultural - Estratégias de Poder e Resistência, realizado pelos pelos projetos de extensão "Dissemina: Perspectivas afrocentradas de raça e gênero na comunicação e na cultura" e "Contatos: (Re)construindo a Publicidade", no Instituto de Artes e Comunicação Social, durante a Agenda Acadêmica da Universidade Federal Fluminense, discutiu a relação entre Apropriação Cultural e Apreciação Cultural na mídia contemporânea. O debate foi amplo e gerou diversas reflexões e inquietações sobre o tema. O público, que lotava o Interartes naquela tarde de terça-feira (22), aproveitou a oportunidade para questionar aos participantes acerca de alguns dilemas.


“É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado”


Assunto polêmico e frequentemente presente nas discussões sobre apropriação, o Palco Favela do Rock in Rio foi tema protagonista nas rodadas de perguntas. Bruno, Fernanda e Dayana - após muita reflexão - chegaram a um consenso: “não se pode culpar o artista que ocupa aquele espaço e que está tendo a oportunidade da vida dele, o problema está em quem produz”.


Outro tema que dominou o bate-papo com a plateia, foi o papel da mídia evangélica no imaginário popular. O assistencialismo das igrejas, o marketing de contato, a acolhida que oferece são tidas como grandes estratégias. A partir delas, os líderes religiosos conseguem influenciar centenas de fiéis nos mais diversos assuntos.


“Acho a igreja evangélica genial. Vivo falando com o movimento negro que o Brasil polarizou porque o que abraça o favelado não é direita nem esquerda, é igreja - que hoje está do lado da direita. A igreja faz um marketing que todo mundo tem que aprender. Um marketing direto: oração e comida. Isso é aproximação. Por isso, os pastores influenciam tanta gente. Eu vejo gente saindo da igreja já com o papel com os números para ir votar, moradores de comunidade dizendo que são gratos ao Lula, mas indo votar no Bolsonaro”, afirma Bruno.


“É tudo sobre olhar no olho: genial”, completa Dayana Souza.


Outras perspectivas


Convidada pelo amigo Alberto Sena, que compôs a primeira mesa, Jaciara Moreira absorveu grandes reflexões na segunda parte do evento. A experiência foi definida por ela como enriquecedora.


“Gostei muito da perspectiva que eles trouxeram da publicidade, que é algo que não pensamos no dia a dia. A gente sabe do poder que a publicidade tem, mas a forma que eles detalharam isso, foi algo que deixou várias sementinhas para eu ficar repensando e multiplicando”, afirmou Jaciara. “As pesquisas de Bruno e Fernanda me marcaram bastante, mas o relato da Dayana de ser a única negra numa agência de publicidade é forte, apesar de a gente já conhecer a realidade. Mas isso mostra que ainda tem muita coisa a se fazer para que a questão racial no Brasil seja conversada e, com muita esperança, transformada”, completou.


Humberto Moreira, estudante de Publicidade da UFF, faz parte do Dissemina e ajudou a construir o evento que, para ele, tem grande importância.


“Dar voz a estudantes negros, profissionais negros, é de extrema importância. Não é sempre que a gente vê esse tipo de evento na universidade, não é todo dia que a gente encontra evento voltado para comunicação negra e esse tipo de evento gera representatividade, identificação. Nós olhamos para aquelas pessoas que passam o que a gente passa e tem a chance de acreditar que um dia podemos chegar lá também”, declarou o estudante. “A questão da apropriação, discutida na segunda mesa, me chamou muita atenção, porque não é uma reflexão que não faz parte do nosso cotidiano - quando deixamos um like, por exemplo. Eu costumo dizer que o erro não está na pessoa que usa um turbante, mas o poder que esse turbante ganha quando está na mão de outra pessoa: o poder que a cultura tem quando tá na mão de uma pessoa branca”, finaliza.


A ‘hiper-ritualização’ do gênero

Fernanda Carrera é professora de comunicação da UFRJ e abriu a segunda mesa do evento falando sobre “hiper-ritualização do gênero da publicidade”, estudo que busca compreender como as tecnologias fundamentam hoje o imaginário sobre corpos e sujeitos contemporâneos.


“A pesquisa tenta desmistificar a neutralidade algorítmica dos mecanismos de busca, que é o que podemos chamar de ‘racismo algorítmico’. Tendemos a acreditar que essas plataformas são ferramentas de informação e dão resultados relevantes. Por exemplo, mulheres negras na publicidade são colocadas da mesma forma que mulheres brancas?”, questionou Fernanda.


Sua pesquisa faz a análise das três primeiras páginas de resultados quando pesquisa as palavras “family”, “black family” e “white family”. Quando se pesquisa apenas “family”, 60% das famílias são todas brancas, 6,3% são negras e 6,19% interraciais. No contexto de “black family”, as mulheres negras aparecem sempre sozinhas:


“As mulheres negras não correspondem à ideia de família na publicidade, estão sempre sozinhas e ligadas à ‘independência’. Mas, na verdade, o que é retratado é a solidão da mulher negra”, completou.




O viés inconsciente da publicidade


Bruno Rico é publicitário, escritor, morador de favela e militante do movimento negro. Para ele, existe um “viés inconsciente” que normatiza as situações e estereotipa a publicidade como um todo:


“A publicidade é extremamente estereotipada. Nós, os negros, precisamos parar de normatizar as mazelas dos nossos”, ressalta.


Bruno destaca também o termo “empreendedorismo”, que muitas vezes romantiza situações de precariedade. De acordo com a SEBRAE, 55% dos empreendedores são negros (entendendo negros como a junção de pardos e pretos). “Empreender por necessidade não pode ser normatizado”, acrescenta, citando o NAP, banco de imagens somente de pessoas negras.




O publicitário trouxe ainda uma discussão acerca do termo “apropriação cultural” e afirmou que é algo muito complexo e que vai além: “A partir do momento que a Skol Beats lança uma bebida chamada 150 BPM e não fala do precursor desse ritmo, que tá preso, isso é apropriação cultural”, finaliza.


Publicitário negro é resistência


Para Dayana Souza, publicitária que encerrou a segunda mesa desta edição, “existir como publicitário negro é resistir o tempo todo. Você não tem opção”. Dayane chama a atenção para as redações de agências de publicidade que, embora tentem fazer campanhas inclusivas para pessoas negras, são normalmente compostas majoritariamente por pessoas brancas, que idealizam essas campanhas.


“É muito difícil ser a única sempre. Você fica exausta.”, acrescentou.




Trouxe também considerações sobre a questão da apropriação cultural. Segundo ela, não se trata de discutir se a mulher branca deve ou não usar turbante: “Se ela quiser usar, ok. Não deveria, mas ok. É mais profundo do que isso”.

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