Redes e pontes entre o Brasil e a África foi o tema da mesa de abertura do evento “E-voices Dissemina: Experiências Ativistas do Brasil e do Sul Global”, que ocorreu na última terça-feira na Sala Interartes do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). O evento foi uma parceria entre o Projeto de extensão Dissemina e a Rede E-voices: Redressing Marginality. A primeira mesa contou com a presença do Coletivo Mulheres de Pedra, que apresentou o curta Elekô, e com a participação da cineasta queniana Ng'endo Mukii, que apresentou os seus filmes Retrato de Marielle e Retrato de Wangari Maathai. A mesa contou também com a mediação de algumas alunas do projeto: Isabela Evaristo, Suelen Moreira, Ester Félix e Marianne.
A cineasta Ng’endo falou um pouco sobre o tempo que passou no Brasil e sua experiência com um workshop desenvolvido em Salvador. “Foi a minha primeira vez no Brasil e na América do Sul. Minha experiência em Salvador foi incrível. Senti uma conexão muito forte com as raízes da África, às vezes mais forte do que a conexão que sentimos na própria África. Religiões, tradições e idiomas africanos são fatores muito presentes e fortes na Bahia.”, declarou a queniana. Ng’endo conheceu a Professora Andrea Medrado em Nairóbi, onde decidiram abrir um workshop para que jovens artistas pudessem criar suas próprias animações. A grande maioria dos alunos não possuía experiência em animação, mas foi guiada pelo processo. Foi quando criaram o filme “Retrato de Marielle”.
Quando a cineasta veio para o Brasil passar dois meses em Salvador, ela sabia que queria tentar fazer algo semelhante para poder levar de volta a Nairóbi. Dessa vez a escolhida para protagonizar o filme foi Wangari Maathai, uma professora e ativista política do meio-ambiente do Quênia. Wangari foi a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz. “Nós queríamos trabalhar com outra mulher negra que fosse um ícone. Wangari é conhecida pelo seu ativismo no meio ambiente e tinha uma personalidade muito forte.”, declarou Ng’endo.
Durante o Seminário, a cineasta foi questionada sobre a escolha dos materiais que foram usados nos filmes, em sua maioria coisas bem simples, que foram usadas manualmente. Ng’endo esclareceu que quando começaram a fazer o workshop no Quênia, muitos que estavam se inscrevendo eram de áreas pobres e que, por conta disso, não queriam fazer um projeto com a obrigatoriedade de possuir um computador. “Queríamos que fosse o mais simples possível, para que todas as pessoas pudessem participar. Todos usavam as mãos e não um computador. Para que eles pudessem repetir e fazer isso novamente, sem nenhum bloqueio ao workshop ou à experiência.”.
Após a participação marcante da cineasta queniana, foi a vez das mulheres do Coletivo Mulheres de Pedra: Daiane Ramos e Leila Netto falarem de sua experiência e da produção e realização do curta Elekô. A matriarca do Coletivo, Leila Netto, falou um pouco sobre a força do feminismo e do fazer coletivo. “Elekô é coletivo, colaborativo, um fazer feminino sagrado onde nós apostamos tudo. Nós acreditamos. Coletivamente a gente é capaz de fazer tudo. É possível fazer sem dinheiro, é possível fazer sem nada, é possível fazer diferente. É possível fazer”, compartilhou Leila. A matriarca ainda comentou sobre como o mundo do cinema ainda é machista, patriarcal e elitista, e falou da importância de garantir que este seja um espaço para todas. Para mulheres, negras e periféricas.
A Dai Ramos também falou um pouco sobre o que o Elekô representou para ela e sobre a importância do Coletivo para as mulheres negras. “É sobre se reunir e se curar juntas de todas as dores e todos os sofrimentos ancestrais que uma mulher negra pode ter. É ancorar nossos corpos para fazer arte.”. Ressaltou ainda a importância de ter um filme completamente produzido, dirigido e finalizado por mulheres negras. “Estamos acostumadas a ver a construção de mulheres negras pelo olhar de homens brancos. É construída em uma base de estereótipos e visões errôneas na mídia audiovisual brasileira.”. Após essas falas potentes, um vídeo registrando uma parte da oficina de afrobeat do Dissemina, oferecida numa escola do ensino médio de Itaboraí, foi exibido. O aluno Alexandre Singha, da República Democrática do Congo, falou sobre a experiência e as trocas dos ritmos africanos e brasileiros entre esses jovens. Por isso a importância desses filmes e desses eventos. Para quebrar esses ciclos. Para viabilizar recursos e investimentos para que isso possa acontecer cada vez mais. Este processo de cura e de arte.
Beatriz Arouca Feijó
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