Por Isabela Evaristo, 14 de Julho de 2020.
1 mês e meio depois, o fato é trazido a público. 5 dias após a morte de George Floyd, tivemos um caso semelhante aqui no Brasil [filmado, dentre tantos não filmados]. No dia 30 de maio, em Parelheiros - SP, uma mulher de 51 anos (que preferiu não dizer o nome), negra, foi agredida e asfixiada por um policial militar que quis repetir uma cena horrível que 5 dias antes tinha sido mundialmente divulgada e rechaçada. Digo que quis, porque “o policial estava de pé no pescoço. É uma postura totalmente reprovável. Não há nenhum procedimento que dita aquela postura do policial, aquilo não está previsto em manuais. Ali, houve violação de regras. A postura do policial é totalmente contrária ao que a PM deseja”, disse Osmário Ferreira - porta-voz da corporação - à Folha de São Paulo. Segundo o portal de notícias Poder 360, diferente dos EUA, onde existe um protocolo que prevê um procedimento similar ao que foi aplicado a George Floyd, para colocação de algema [o que é um absurdo e não reduz em nada a estupidez, a brutalidade e a gravidade do caso], no Brasil não existe nada que sustente essa atitude. Dando uma olhada no Google Trends, a gente constata a brusca queda de interesse/busca pelos termos #racismo e #vidasnegrasimpotam, desde o #blackouttuesday - uma terça-feira - até sábado da mesma semana. Lembrou aquelas "ôlas" que os torcedores puxam em arquibancada de estádio. Acaba tão rápido quanto começa. Fica chato quebrar a ôla, né? Todo mundo tem que levantar a mão. Essa é a graça. Agora ficar com o braço levantado ou cantando e pulando o jogo todo, só torcida organizada fiel. Pois é... A "ôla" do #blacklivesmatter passou. 5 dias e os "novos antirracistas" sumiram. Sabe por que? É bom pra auto imagem participar do hype, mas ser antirracista cansa. É denunciar, é incomodar, é correr risco, é fazer coisas que causam desconforto, confronto e não dão curtida. Cansa, porque é uma luta constante e diária.
Tive contato com o Movimento Negro e outras militâncias nesse sentido em 2012. Só no começo de 2020 tive coragem de me declarar publicamente antirracista, por perceber que minha vida, minhas atitudes já sustentavam verdadeiramente o uso desse termo. E tenho plena noção de que o que faço não é NADA comparado ao que sinto que preciso fazer. Mesmo com o pouco que faço, já colho os frutos sim. Mas, também, pago o preço. Quem é antirracista vive como o avô da Ponciá Vicêncio, persongem criada por Conceição Evaristo: rindo e chorando ao mesmo tempo.
Gostaria de estar errada, mas tudo isso só reforça o que pensei ao ver todos aqueles "quadrados pretos" no meu feed há pouco mais de um mês atrás: quando as luzes se apagam e o assunto sai de cena, é como sempre foi: nós por nós. Seguem trechos de reportagens sobre a violência policial contra a mulher que mencionei no início desse texto, que omitiu o nome por segurança própria. " 'Ainda não consigo dormir a noite inteira, acordo várias vezes', contou. 'Eu fico pensando porque ele fez aquilo comigo. Eu não era a única pessoa lá' " (Revista Fórum, 2020). "Ela sofreu escoriações no rosto e quebrou a perna. Um segundo policial, que estava armado e abordando outras pessoas, aproximou-se da mulher e a empurrou contra uma grade. A vítima diz ter sido agredida com três socos e derrubada com uma rasteira. Na queda, ela teria fraturado a tíbia, um osso da perna." (Hypeness, 2020). Ela ainda foi levada pra delegacia, onde ficou até o dia seguinte.
Peço a Deus todos os dias e me esforço - promovendo ações e difundindo informações - pra que essa realidade mude. Pra que mais e mais pessoas entendam de fato a importância de debates e ações sobre questões raciais, entendam como isso mudaria o cotidiano das incontáveis pessoas que todos dias sofrem as consequências de viver numa sociedade racista, seja de forma sutil ou escrachada. Pra que mais e mais pessoas se comprometam com a defesa de uma sociedade justa. Pra que mais e mais pessoas se declarem antirracistas e suas vidas sustentem isso. Convido você a fazer o mesmo. Se já está fazendo, saiba que tamo junta. Solidarizo com você, com suas dores. Desejo força, pra que as transforme em potência e siga em frente. Esse é o único caminho pra que situações como essa sejam cada vez menos frequentes e até, sendo muito otimista, inexistentes.
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